Não sei se os chineses estão impressionados com o nosso choque tecnológico ou com as chocantes palavras do ministro Manuel Pinho, mas não podemos negar que os chineses se interessam violentamente pelo território português nos últimos anos. Violentamente, a meu ver, porque as lojas com lanternas vermelhas à porta, género «papier machê», são as lojas mais esquálidas e desgraçadas que alguém se lembraria de implantar em território europeu. As lojas chinesas estão em toda a parte, entulhadas de mercadoria made in China, tretas descartáveis, plásticos, quinquilharias, resíduos pós-industriais daquelas regiões remotas do Oriente onde as crianças são mão-de-obra escrava e as mulheres também, nesse gigantesco Grande Salto para a Frente que fez da nova China que os nossos governantes tanto admiram um exemplo do triunfo capitalista.Por qualquer razão que me escapa, que nos escapa e que, diz-se à boca pequena, tem a ver com os interesses colonizadores da China e a nova versão do perigo amarelo, as lojas chinesas reproduzem-se como coelhos por esse Portugal fora, e no Alentejo abrem exactamente no mesmo lugar onde fecharam, por falta de clientes, as lojas portuguesas. Vêem-se lojas chinesas à beira da estrada, nas ruas principais, nos centros comerciais. Vêem-se lojas chinesas encostadas a restaurantes chineses e sem estar encostadas a restaurantes chineses, cobertas de flores de plástico e de cartazes a dizer que está tudo a menos de I euro, ou I0 euros, ou qualquer quantia irrisória. Lá dentro é o bazar desarrumado e sintético, exemplo milagroso do crescimento económico destinado a produzir lixo. As lojas chinesas são inestéticas, são concorrência desleal e estão a matar o equilíbrio do mercado e das lojas tradicionais portuguesas.Se esta fase parece racista é provavelmente porque ela é racista. Não tenho simpatia pelas condições humanas e de trabalho na China, não me embasbaco com as Avenidas Madison de Pequim, e acho a sociedade chinesa cruel, fechada e desinteressante, remota em relação aos nossos gostos e conceitos. Os chineses são impenetráveis e a cultura de massas representa o que de mais «kitsch» a Humanidade consegue fabricar e vender pelo puro prazer do consumo gratuito. E quanto aos direitos humanos, que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros e outros tantos desvalorizam, a sociedade chinesa representa um atropelo constante desses direitos, sobretudo no tratamento das mulheres nas zonas rurais, e na negação dos direitos das mulheres. Ainda não foi há muito tempo que se descobriu o que acontecia às meninas recém-nascidas e indesejadas, mortas à nascença e torturadas em orfanatos concebidos como jaulas. A população chinesa tem neste momento um problema de falta de homens, simplesmente porque se entreteve, durante décadas, a exterminar as mulheres e a matar o sexo feminino. Tudo, na China, é estranho à sensibilidade europeia, e não é pelo facto de a China ser uma potência emergente que se tornou uma sociedade mais humana ou mais amável. Do ponto de vista político, o sistema chinês é uma aberração, uma ditadura disfarçada de mercado livre, onde os dissidentes continuam a ser presos e a desaparecer, onde as vozes discordantes são silenciadas e onde o segredo é imperioso e uma garantia de vida. Na verdade, ninguém sabe o que se passa dentro da China excepto no que diz respeito ao mercado potencial e ao salto económico, e ninguém está muito disposto a saber, para não prejudicar as relações comerciais. O massacre de Tiananmem não foi assim à tantos anos, e os que passam o tempo a criticar Cuba e a suspirar pelo sistema democrático que se seguirá à morte de Fidel, ignoram olimpicamente a ditadura chinesa e fazem negócio com um dos países mais sinistros do mundo. A China, que investiu em Cuba como investe em África e na Ásia, sabe cuidar muito bem dos seus interesses, e o seu modelo de desenvolvimento caracteriza-se por esse mau gosto e esse estilo baratucho que são a nota dominante dos hotéis chineses de Havana ou das lojas chinesas de Beja e Évora.Na verdade, é impossível não perguntarmos o que diabo fazem tantas lojas chinesas em território português e quem sustenta e apoia estes comerciantes que resolvem vir para Portugal e para uma região de Portugal que está nos antípodas da sua sensibilidade, como o Alentejo. Quem sustenta e apoia estes imigrantes que não sabem falar português e que não são de Macau nem são sobras do império, e lhes diz para vir inundar zonas economicamente deprimidas com quinquilharia ambulante. A China, além de poluir a terra (e toda a gente sabe que já não se consegue respirar em Hong Kong), polui o mundo com o seu modelo de negócio. Talvez pudéssemos retribuir abrindo umas lojas de pastéis de bacalhau e galos de Barcelos na China, mas, até lá, somos inundados com óculos de ver ao perto, rosas artificiais, brinquedos, vestidos de poliéster, cabides, bugigangas, enfeites, paisagens amarelas e cor-de-rosa, sacos, tapetes, sapatos, altifalantes, relógios, colares, contas, cartas... e montras de entulho.
Clara Ferreira Alves - revista Única, jornal Expresso 9 fevereiro
Ano lunar do porco..que redundancia