Negócios da China

Ao contrário de alguns países que vivem sob um regime comunista marcado pela opressão onde os mais básicos direitos humanos são inexistentes aqui não há censura, nem tão pouco necessidade de um visto para se atravessarem as fronteiras para a liberdade de expressão.

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Location: Ou Mun, China

Friday, March 02, 2007

Praga Chinesa

Não sei se os chineses estão impressionados com o nosso choque tecnológico ou com as chocantes palavras do ministro Manuel Pinho, mas não podemos negar que os chineses se interessam violentamente pelo território português nos últimos anos. Violentamente, a meu ver, porque as lojas com lanternas vermelhas à porta, género «papier machê», são as lojas mais esquálidas e desgraçadas que alguém se lembraria de implantar em território europeu. As lojas chinesas estão em toda a parte, entulhadas de mercadoria made in China, tretas descartáveis, plásticos, quinquilharias, resíduos pós-industriais daquelas regiões remotas do Oriente onde as crianças são mão-de-obra escrava e as mulheres também, nesse gigantesco Grande Salto para a Frente que fez da nova China que os nossos governantes tanto admiram um exemplo do triunfo capitalista.Por qualquer razão que me escapa, que nos escapa e que, diz-se à boca pequena, tem a ver com os interesses colonizadores da China e a nova versão do perigo amarelo, as lojas chinesas reproduzem-se como coelhos por esse Portugal fora, e no Alentejo abrem exactamente no mesmo lugar onde fecharam, por falta de clientes, as lojas portuguesas. Vêem-se lojas chinesas à beira da estrada, nas ruas principais, nos centros comerciais. Vêem-se lojas chinesas encostadas a restaurantes chineses e sem estar encostadas a restaurantes chineses, cobertas de flores de plástico e de cartazes a dizer que está tudo a menos de I euro, ou I0 euros, ou qualquer quantia irrisória. Lá dentro é o bazar desarrumado e sintético, exemplo milagroso do crescimento económico destinado a produzir lixo. As lojas chinesas são inestéticas, são concorrência desleal e estão a matar o equilíbrio do mercado e das lojas tradicionais portuguesas.Se esta fase parece racista é provavelmente porque ela é racista. Não tenho simpatia pelas condições humanas e de trabalho na China, não me embasbaco com as Avenidas Madison de Pequim, e acho a sociedade chinesa cruel, fechada e desinteressante, remota em relação aos nossos gostos e conceitos. Os chineses são impenetráveis e a cultura de massas representa o que de mais «kitsch» a Humanidade consegue fabricar e vender pelo puro prazer do consumo gratuito. E quanto aos direitos humanos, que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros e outros tantos desvalorizam, a sociedade chinesa representa um atropelo constante desses direitos, sobretudo no tratamento das mulheres nas zonas rurais, e na negação dos direitos das mulheres. Ainda não foi há muito tempo que se descobriu o que acontecia às meninas recém-nascidas e indesejadas, mortas à nascença e torturadas em orfanatos concebidos como jaulas. A população chinesa tem neste momento um problema de falta de homens, simplesmente porque se entreteve, durante décadas, a exterminar as mulheres e a matar o sexo feminino. Tudo, na China, é estranho à sensibilidade europeia, e não é pelo facto de a China ser uma potência emergente que se tornou uma sociedade mais humana ou mais amável. Do ponto de vista político, o sistema chinês é uma aberração, uma ditadura disfarçada de mercado livre, onde os dissidentes continuam a ser presos e a desaparecer, onde as vozes discordantes são silenciadas e onde o segredo é imperioso e uma garantia de vida. Na verdade, ninguém sabe o que se passa dentro da China excepto no que diz respeito ao mercado potencial e ao salto económico, e ninguém está muito disposto a saber, para não prejudicar as relações comerciais. O massacre de Tiananmem não foi assim à tantos anos, e os que passam o tempo a criticar Cuba e a suspirar pelo sistema democrático que se seguirá à morte de Fidel, ignoram olimpicamente a ditadura chinesa e fazem negócio com um dos países mais sinistros do mundo. A China, que investiu em Cuba como investe em África e na Ásia, sabe cuidar muito bem dos seus interesses, e o seu modelo de desenvolvimento caracteriza-se por esse mau gosto e esse estilo baratucho que são a nota dominante dos hotéis chineses de Havana ou das lojas chinesas de Beja e Évora.Na verdade, é impossível não perguntarmos o que diabo fazem tantas lojas chinesas em território português e quem sustenta e apoia estes comerciantes que resolvem vir para Portugal e para uma região de Portugal que está nos antípodas da sua sensibilidade, como o Alentejo. Quem sustenta e apoia estes imigrantes que não sabem falar português e que não são de Macau nem são sobras do império, e lhes diz para vir inundar zonas economicamente deprimidas com quinquilharia ambulante. A China, além de poluir a terra (e toda a gente sabe que já não se consegue respirar em Hong Kong), polui o mundo com o seu modelo de negócio. Talvez pudéssemos retribuir abrindo umas lojas de pastéis de bacalhau e galos de Barcelos na China, mas, até lá, somos inundados com óculos de ver ao perto, rosas artificiais, brinquedos, vestidos de poliéster, cabides, bugigangas, enfeites, paisagens amarelas e cor-de-rosa, sacos, tapetes, sapatos, altifalantes, relógios, colares, contas, cartas... e montras de entulho.

Clara Ferreira Alves - revista Única, jornal Expresso 9 fevereiro

Ano lunar do porco..que redundancia

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